sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Passam-se tempos e mostram-se vontades

Quando se vive na residência André de Gouveia, passa-se muito tempo com os colegas residentes, por vontade, por claustrofobia ou simplesmente por acaso. Não, eu não sou claustrofóbico, pelo menos em geral, mas sou-o quando o meu espaço vital é de 10 metros quadrados, sim, 10 metros quadrados, com um um seguido de um zero. Este zero também é um todo, mas as partes que engloba são profundamente pequenas. Não admira que passasse o tempo com a janela aberta. Sempre aumentava significativamente a área do meu quarto de alguns quilómetros quadrados. Ah e também fazia sempre muito calor. Verdade que sempre fui muito acalorado mas quando por acaso encontras a Núria do fundo do corredor a sair do duche com uma toalhinha – acentuando bem o inha da toalhinha – qualquer um ficaria com os calores, mas enfim, a janela aberta era mesmo para aumentar o meu espaço vital.
Entre as muitas e variadas pessoas que conheci nos meus primeiros tempos na cidade universitária, aquelas com as quais melhor me liguei – de uma maneira pura – foram a Clara e a Adelina. Porque estou sempre a pensar nelas? A verdade é que quando não se conhece vivalma, as pessoas com quem nos ligamos tornam-se a nossa família. Tornam-se as pessoas com quem desabafamos, a quem tudo contamos, com quem compartilhamos as alegrias, as tristezas enfim, todos os pequenos momentos que constituem o dia a dia. Em particular, com a Clara conversava muito e de assuntos muito interessantes... Ora na relva em esplendor, ora na cantina em pavor, porque a comida nunca foi grande espingarda... Falámos, partilhámos, vivemos e... eu interessei-me. Não falo de paixão no seu contexto lascivo, porque acho que não o era, talvez já existissem alguns sentimentos. Talvez tivessem existido desde o início, desde o primeiro olhar. As coisas do coração são sempre confusas, em particular, para quem as tenta explicar, ou neste caso, relatar. Ainda não sabia o que estava eu a fazer em França, mas sabia que os seres humanos funcionam de forma similar em toda a parte do mundo. E pensando e reflectindo vi a primeira festa organizada pelo comité de residentes a aproximar-se. E pensando e reflectindo vi a oportunidade que ansiava a aproximar-se. Uma questão válida é: Mas porquê numa festa? Porque não antes, durante as tais conversas interessantes que tínhamos? Se calhar foi um erro, mas a primeira coisa que se aprende quando se chega à cidade universitária é que, por muito normal que as pessoas sejam, por muito constantes e correctas que sejam, nas festas tudo pode acontecer. E se tudo pode acontecer com os outros, porque não comigo?
Passam-se tempos e mostram-se vontades. Por vezes surpreendemo-nos a nós mesmos, o que queremos, o caminho pelo qual seguiremos, simplesmente todas as coisas que fazem de nós o que o mundo vê. Por vezes apenas aquilo que deixamos o mundo ver, porque há sempre algo nu mais profundo de nós que nos pertence a nós e a nós apenas. Algo de secreto, algo de privado, algo de profundamente pessoal. E não é apenas por uma mudança de cidade, país, língua – bem, é muita coisa, mas ainda assim – não por tal coisa que esse profundo e secreto EU muda. O que acontece é que, por vezes esse profundo e secreto EU amadurece uma idea, um sentimento, um desejo, mesmo sem o eu se aperceber. Pior será se decidir verbalizá-lo para desespero dos presentes.
E o meu profundo e secreto EU surpreendeu-me bastante! Em vez de ir cool e calmo, decidido e interessante, foi directo e stressado, perdido e angustiante. Angustiado ficou o eu quando o EU decidiu sinceramente dizer exactamente aquilo que lhe ia na cabeça... E quem sofreu com isso? Eu...
Admito que depois fiquei uns bons tempos sem poder olhar a Clara nos olhos... Mas tudo passa e o tempo, ... o tempo não cura mas, com amizade tudo se atenua.

Sem comentários: