segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Uma pirâmide e três pinguins

E depois há sempre o dia seguinte. E nesse dia porque não ir ao Louvre? Primeiro domingo do mês, entrada gratuita e muita coisa a ver com outra tanta a deixar para trás... Assim foi decidido, assim foi feito. Grande borga na noite anterior e obviamente aquilo que é mais evidente fazer-se no dia seguinte é levantar-me antes das galinhas para me ir encafuar num museu! Mas claro que sim! Pensa-se, quando em paris, faça-se como os parisienses. O único ponto é que faz tempo que os parisienses aprenderam o significado de primeiro domingo do mês e normalmente fazem viagens à periferia nesse dia. Passo a explicar, o primeiro domingo do mês significa que todos os museus, vulgo, exposições permanentes estão abertas e com acesso livre e gratuito. Esta é a teoria, porque a prática é bem mais dolorosa. Primeiro domingo do mês significa filas com centenas de pessoas, significa efeito massagem forçada do metro – aquele efeito especial que se sente quando mais uma agulha na carruagem forçaria a saída de uma pessoa – só que num espaço bem mais amplo, significa dois gigantes nórdicos no meio da confusão de gente e sem repararem te levantarem do chão e te arrastarem com o resto da vaga de gente que vagueiam sem destino num percurso predefinido. Pronto, ok, exagero um bocado, não é assim tão intenso... não eram nórdicos, eram ingleses...
Mas pronto voltando ao Louvre. É um dos maiores museus do mundo com uma quantidade de peças que faria corar o melhor corsário inglês. Porque estou sempre a falar dos ingleses? Não sei, apetece-me! Tem peças de uma beleza incomparável e outras, como a Gioconda, que são, digamos, famosas. Nunca compreendi todo o histerismo em torno de uma obra tão, ahem... famosa. Juntemos rapidamente a beleza do esfumato antes que algum italiano me defume o cérebro com um pauzinho de incenso.
Esta excursão foi partilhada com a Clara, a Adelina e o Fernando Gaivota (de quem falarei posteriormente) e pronto, assumo que apesar de todos os pontos negativos que indiquei me diverti bastante e foi educativo. De toda a forma arte é sempre educativa. Mas o problema é que o plano era de ver todas as peças do Louvre – com maior ou menor atenção – e afirmo que as vimos! Vimos todos os andares, galerias, salas, cantos e nichos, algo que deveria durar 45 dias foi visto numa larga manhã. Resultado? Passei 1 mês a vomitar arte por todos os poros do meu ser, bastava falarem-me de um museu e ficava fisicamente indisposto.
O resto do dia não foi mau, petiscámos qualquer coisa na cozinha do 3º andar, aventamos a possibilidade de ir ao parque Disney e conversámos até chegar a hora do jantar. Creio ser este o ponto mais enriquecedor de viver numa residência estudantil e para mais numa tão especial como a Casa de Portugal. O que se partilha, o que se vive, o que se transmite, a entreajuda, a dádiva de algo tão simples como, o tempo.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A primeira (des)ilusão ou a pedagogia do erro.

Talvez seja verdade que tudo tem a sua razão de acontecer, que nada seja por acaso, que tudo o que fomos, somos ou desejamos é nosso e nos pertence e não podemos apagar. E se é nosso, se aconteceu e se foi assim foi porque nós quisemos que fosse ou não assim, porque nós estivemos ou não estivemos, porque nós agimos assim ou ficamos pacificos assados. Diz um amigo que «há pessoas que escolhemos para esquecer e outras que escolhemos para lembrar». Fazendo as contas todas existe realmente uma, que se a memória fosse linear e radiocomandada, eu decideria, mais do que esquecer, apagar, eliminar, banir de vez do meu passado: o (dito) Mahomed, porque só me fez mal. Não foi preciso muito para me perceber que se tratava um falsário. Falsário de indentidade, falsário de sentimentos, falsário de palavras. Só me fez mal durante as três semanas que passamos juntos. As três piores que passei em Paris. Deu-me um nome que não era o seu, falou-me de um passado que não viveu, e fez-me crêr num sentimento que não sentiu, a acrescentar a isto devo dizer que era realmente uma personagem: filho adoptivo desde os vinte e muitos anos de um americano idoso que vivia num belo «chateau» nos arredores da cidade; filho biológico das ânsias de petroleo e das contas bancarias que o dito «pai» tinha na Suiça; filho ainda da vaidade e da pseudo-magnificiência de alguém que quer subir na vida pela via da facilidade. Um miserável de espirito diria, mas com uns olhos manipuladoramente perigosos. Se tivesse deixado as coisas se arrastarem, talvez me tivesse enfiado um véu rosto abaixo e trocado por uns litros de crude e alguns míseros camelos, e não será filme com certeza. A Adelina tinha razão. Durante uns tempos continuou a passar pela Rag para me deixar cartas, que confesso nunca li. Alias, nunca as abri. Porque sabia que ao abri-las, abriria também uma ferida que não estava de todo curada. Talvez não tivesse sido uma atitude tolerante, mas a verdade é que foi a única que arranjei para me esquecer dos dias horriveis e de humilhação por que me fez passar. Preveni a D. Eva da recepção que lhe não aceitasse mais as cartas que ia depositar em maõs na residência. Por sorte do acaso, nunca mais me cruzaria com ele. Ainda bem. Hoje sempre que alguem, por desventura de conversa, ou desvio nocivo de pensamento me falam nele, faço questão de não me querer lembrar. E vai resultando.

No entanto, nada me impediu de viver coisas fantásticas e de conhecer pessoas que escolhi para não esquecer. Como o Fernando Gaivota e a minha primeira visita ao Louvre acompanhada pela equipa dos crepes de porte d'orleans, dos chás de maçã e canela e das coisas sérias que entretanto se formava no seio de uma familia que aos poucos se construia. Entretanto o meu quarto estava cada vez mais confortável, com uma decoração que lhe ia dando caracter, pertença, possessão, dona. Sim, era o meu quarto agora e sentia-me bem nele. Já não eramos estranhos, e as formigas com o frio a apertar migraram para outras bandas. Nas paredes, os cartazes do «lire en fête» e da «nuit blanche», os maços coloridos que me lembraram em todas as línguas que «fumar mata», o recorte do Público a anunciar que «recordar é viver», os postais que ia guardando aqui e ali, as fotografias que me ancoravam em casa sem me aprisionar. E as folhas amareladas que a Adelina apanhava do chão a lembrarem-me como é bonito o Outono em Paris...


segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ça pourrait être pire

O dia seguinte não é fácil, mas ... é o dia seguinte e como tal devo-me sentir renascido. Só que não me sinto renascido coisa nenhuma, sinto-me mas é contraído. Mas enfim, como se diz por aqui, podia ser pior. É um raio de uma expressão. Podia ser pior, sim, o tecto da casa poderia ter também conjurado e me ter caído todo em cima da cabeça... podia ser pior. No fundo, no fundo, poderia ser sempre pior. Em vez de cogito ergo sum digo apenas, vivo logo engano-me. Mas estou vivo e mesmo pleno de ironia afirmo, Ainda bem que estou vivo!

Exactamente sobre esta expressão um investigador do meu instituto, chamado Jean George Louis que em português daria algo como João Jorge Luís – enfim, franceses. Mas a história é a seguinte: Numa das muitas viagens de avião que ele fez aos Estados Unidos, sentou-se ao lado de uma americana, conversa puxa conversa, e começaram a falar da família, dos filhos, a mostrar fotografias, etc. Vai aos pois a senhora lá lhe diz: Ah mas tem uma filha tão bonita! E ele responde: Podia ser pior! Nem imaginam que se passou depois, pois bem, a senhora começou a insulta-lo e a perguntar como podia dizer algo assim de uma filha... Enfim, franceses e americanos, sempre reivindicativos quando podem fazer escândalo...

Mas de volta ao dia seguinte. Desde que havia chegado tinha tido vontade de dar cursos de capoeira na ciup, mas para tal necessitava de alunos. Tinha já falado à Clara antes, mas digamos que neste momento não me sentia muito à vontade... Mas combinações são combinações e onde dou a minha palavra é como se assinasse por baixo. Lá fui ter com ela e disse-lhe com todo o à vontade que consegui arrancar do meu ser: Sempre queres ir fazer o curso de capoeira? Ela disse que sim... Combinação ou não, ela bem podia ter dito não... Mas o não, não veio!

Lá veio a hora da aula com a Clara, mais umas pessoas e o Mahomed?????? Já não bastava o facto de ela estar presente ainda teve de trazer o mentecapto... Há dias em que uma pessoa não deve sair da cama e ainda menos abrir a boca... Mas pronto, a realidade que tinha à minha frente era a realidade com a qual tinha de lidar. O que vale é que quando ensino, sou professor e sempre é algo em que me posso refugiar. Não tenho de interagir a nível pessoal, tenho apenas de interagir a nível profissional. E não, não o rachei de alto a baixo, porque ainda que pudesse seria algo que nunca faria, nunca numa aula! A aula correu bem, a nível de técnica e de aprendizagem, e correu ainda melhor quando acabou, pois fui-me embora ver uns episódios de Noir e descomprimir.

Entretanto dá-me a traça e lá dou um saltinho à cozinha. Adivinhem quem encontro? Tcharam!!! A Clara... ufff, bem... ok. Queres lanchar, pergunto. Pouco depois chega uma companheira da residência, admito já não me recordar do nome dela. Recordo-me contudo que decide fazer o seu prato-especialidade... Que é, iogurte de morango com atum? Creio nesse preciso momento ter escutado os seus intestinos, o seu fígado, enfim todas as suas entranhas a reclamarem em uníssono numa súplica terrificante !!NÃO!!... E acreditem ou não, ela não escutou a súplica e comeu mesmo aquilo. Comeu como quem, o que tem em face a seus olhos não representa sequer um desafio. Comeu como alguém que considera ter à sua frente uma representação física de uma profunda vontade emitida do seu egos! O meu id, via narinas, é que, aparvalhado e em surdina, reclamou um bocado. Aquela mescla cheirava a... morango com atum. Use your imagination!!! Creio que nem sequer os franceses com a sua nouvelle cuisine alguma vez arriscaram tal junção. Enfim, apenas mais um ponto do dia para me mostrar que nesta vida, tudo, mas tudo, é possível.