segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ça pourrait être pire

O dia seguinte não é fácil, mas ... é o dia seguinte e como tal devo-me sentir renascido. Só que não me sinto renascido coisa nenhuma, sinto-me mas é contraído. Mas enfim, como se diz por aqui, podia ser pior. É um raio de uma expressão. Podia ser pior, sim, o tecto da casa poderia ter também conjurado e me ter caído todo em cima da cabeça... podia ser pior. No fundo, no fundo, poderia ser sempre pior. Em vez de cogito ergo sum digo apenas, vivo logo engano-me. Mas estou vivo e mesmo pleno de ironia afirmo, Ainda bem que estou vivo!

Exactamente sobre esta expressão um investigador do meu instituto, chamado Jean George Louis que em português daria algo como João Jorge Luís – enfim, franceses. Mas a história é a seguinte: Numa das muitas viagens de avião que ele fez aos Estados Unidos, sentou-se ao lado de uma americana, conversa puxa conversa, e começaram a falar da família, dos filhos, a mostrar fotografias, etc. Vai aos pois a senhora lá lhe diz: Ah mas tem uma filha tão bonita! E ele responde: Podia ser pior! Nem imaginam que se passou depois, pois bem, a senhora começou a insulta-lo e a perguntar como podia dizer algo assim de uma filha... Enfim, franceses e americanos, sempre reivindicativos quando podem fazer escândalo...

Mas de volta ao dia seguinte. Desde que havia chegado tinha tido vontade de dar cursos de capoeira na ciup, mas para tal necessitava de alunos. Tinha já falado à Clara antes, mas digamos que neste momento não me sentia muito à vontade... Mas combinações são combinações e onde dou a minha palavra é como se assinasse por baixo. Lá fui ter com ela e disse-lhe com todo o à vontade que consegui arrancar do meu ser: Sempre queres ir fazer o curso de capoeira? Ela disse que sim... Combinação ou não, ela bem podia ter dito não... Mas o não, não veio!

Lá veio a hora da aula com a Clara, mais umas pessoas e o Mahomed?????? Já não bastava o facto de ela estar presente ainda teve de trazer o mentecapto... Há dias em que uma pessoa não deve sair da cama e ainda menos abrir a boca... Mas pronto, a realidade que tinha à minha frente era a realidade com a qual tinha de lidar. O que vale é que quando ensino, sou professor e sempre é algo em que me posso refugiar. Não tenho de interagir a nível pessoal, tenho apenas de interagir a nível profissional. E não, não o rachei de alto a baixo, porque ainda que pudesse seria algo que nunca faria, nunca numa aula! A aula correu bem, a nível de técnica e de aprendizagem, e correu ainda melhor quando acabou, pois fui-me embora ver uns episódios de Noir e descomprimir.

Entretanto dá-me a traça e lá dou um saltinho à cozinha. Adivinhem quem encontro? Tcharam!!! A Clara... ufff, bem... ok. Queres lanchar, pergunto. Pouco depois chega uma companheira da residência, admito já não me recordar do nome dela. Recordo-me contudo que decide fazer o seu prato-especialidade... Que é, iogurte de morango com atum? Creio nesse preciso momento ter escutado os seus intestinos, o seu fígado, enfim todas as suas entranhas a reclamarem em uníssono numa súplica terrificante !!NÃO!!... E acreditem ou não, ela não escutou a súplica e comeu mesmo aquilo. Comeu como quem, o que tem em face a seus olhos não representa sequer um desafio. Comeu como alguém que considera ter à sua frente uma representação física de uma profunda vontade emitida do seu egos! O meu id, via narinas, é que, aparvalhado e em surdina, reclamou um bocado. Aquela mescla cheirava a... morango com atum. Use your imagination!!! Creio que nem sequer os franceses com a sua nouvelle cuisine alguma vez arriscaram tal junção. Enfim, apenas mais um ponto do dia para me mostrar que nesta vida, tudo, mas tudo, é possível.

3 comentários:

Anónimo disse...

A Clara deve ser alguém que não mistura coisa de coração com potencias amizades ... Fez ela muito bem! Ao menos aprendeu a dançar capoeira, não?

Anónimo disse...

Em primeiro lugar, acho escandaloso este blog e sobretudo esta narrativa a chingar do meu iogurte de morango com atum... Pois fiquem sabendo suas criaturas do diabo que a combinação para além de saborosa é também bastante poética. O elemento atum liga-me ao mar às ondas e até mesmo às gaivotas que sobrevoam o azul cibilino e salgado do oceano onde nadam tartarugas e baleiras numa simbiose pacífica ; o elemento morango liga-me à terra que é lavrada e donde colhemos o trigo que nos dá o pão; o elemento iogurte liga-me ao leite, à pureza, da cor rosa, faz-me ver a vida em rosa mas também me desvenda o negro malhado da vaquinha, a verde da erva que ela come, dos campos e do limão e dos olhos do meu coraçã. Vocês são uns pacófias que não percebem nada de poesia nem aromas! Pois fiquem sabendo que esta receita «yaourt aux ton-fraise» é uma receita que aprecio bastante e assumo! Para vossa informação, não sou a única! Ha 2 anos abri um negocio de gelados e fiz fortuna a vender gelados de atum com aroma de morango, gelados de feijoada com aroma de baunilha, gelados de enguia frita com aroma de balleys. Até agoraninguém se tem queixado! Cresçam e apareçam suas almas insensíveis, suas bocas sem paladares, seus olhos sem brilho, seus fígados sem bilis profundas, suas almas solitárias, seus madabecos! Tenho dito! Nem sabem como estou feliz de ter deixado aquele antro escuro e deprimente envolto em virus de maldizencias e preversões logo na semana a seguir em que vos encontrei na cozinha - suas bactérias!

Filipa disse...

Comprova-se: nós somos mesmo aquilo que comemos!

Com ou sem poesia.

A casa, esse «antro escuro e deprimente» a que te referiste, também agradece que a universidade à qual te canditaste não te tenha aceitado e tenhas sido recambiada dali para fora. De repente, todo o ar ficou mais claro, mais puro, menos vomitante!

Desejamos-te as maiores felicidades no decorrer do teu negócio com a promessa que não meteremos a língua nas tuas iguarias geladas!

Um bem haja a ti!